domingo, novembro 27, 2005


A QUEDA
Fernando Pessoa

Da minha idéia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Sem ter Eu nem Ali...

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...

sábado, novembro 19, 2005



Cântico negro

José Régio


"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

domingo, novembro 13, 2005

DESENCONTRO
Bárbara Bandeira Benevento

Quando chegar até mim, me avise
Eu não vejo você de perto
A distância existe quando não quero
E quando você vem, não estou

quarta-feira, novembro 09, 2005

VAZIO
(Mardoce– 2001)

Confie-me
Seus segredos
Seus sonhos
Guardados
Os temores
Outros amores

Confie
No meu silêncio
No que entendo
No meu grito calado.

Me perco em versos
Tentando ouvir
O não falado
O desconhecido
O escondido
O inusitado

Mora em mim
A dúvida
Incômoda
Prisioneira
Muda

Como resposta : silêncio.
O silêncio, minha morada

Habita em mim
Um grito
Abafado
Mudo
Chorado

Ecoa em mim este grito
No vazio de minh’alma
Cheia do silêncio dos segredos
Cheia da dúvida do que não se vê

Vazia de você, e de seus sonhos
Vazia dos meus sonhos com voce

segunda-feira, novembro 07, 2005